O PRETO-VELHO NÃO FOI ESCRAVO?
- TATA LUIS
- 16 de nov. de 2015
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Se realizarmos uma pesquisa nos terreiros de Umbanda, veremos que ainda existe grande número de umbandistas que acreditam piamente que os pretos-velhos foram escravos e os caboclos foram índios em sua última encarnação. Analisemos, então, os fatos:
Se pararmos – dez minutos - para conversar com um preto-velho incorporado, dependendo da situação, poderemos escutar, além dos seus sensacionais conselhos que nos levam à reforma íntima, um sem número de histórias sobre o seu tempo encarnado como escravo. Contará com detalhes como era maltratado pelo feitor e como suportava com coragem e fé as humilhações por que passava. Relatará as agressões que sofreu e cada chibatada que lhe houvera dilacerado as pernas e costas. Deixar-nos-á comovidos com cada nova narrativa que fizer, surpreendendo-nos pela força que teve que desenvolver e pela esperança que manteve acesa mesmo durante os piores sofrimentos. Ele, então, levanta-se devagar de seu banquinho, coluna alquebrada, gestos lentos, próprios da avançada idade que diz que tinha ao morrer, compatível, claro, com os alvos cabelos contrastantes à tão negra pele. Cumprimenta-nos, louva a Deus e retira-se para Aruanda deixando-nos com o coração desejoso de purificação e de ser mais humilde, ante a lição que acabamos de ter.
Pergunta: PRETO-VELHO EXISTIU? Quem nos responde são as centenas de historiadores brasileiros que detêm sobre o período colonial o seu alvo de atenção. Dizem-nos: A expectativa média de vida do escravo brasileiro era de 40 anos. Essa não era a idade de "aposentadoria", mas a idade da MORTE da grande maioria dos escravos. Quando se fala em EXPECTATIVA, estamos falando de algo que se espera alcançar, ou seja, de algo que nem sempre se atinge, mas espera-se poder atingir. Na verdade, devido às parcas condições de saúde, alimentação e higiene, aliado ao sofrimento físico, psicológico e ao trabalho forçado, POUQUÍSSIMOS ERAM OS ESCRAVOS QUE SOBREVIVIAM ALÉM DOS 40 / 45 ANOS, bem diferente da idade que a maioria dos pretos-velhos diz ter (normalmente entre 70 e 120 anos). Se chegar aos 45 era difícil, imaginem aos 70! E aos 120?
"- Ué, mas Pai João anda tão devagarinho, tão encurvadinho! Como ele não é velho? Ora, espírito não tem idade. Espírito SE APRESENTA com tal idade. Mas vamos verificar com cuidado..."
1) Quantos velhinhos (encarnados mesmo) você conhece que andam tão encurvados quanto um preto-velho (coluna quase em 90 graus)? Esse tipo de postura não parece ser algo incomum, mesmo para idades avançadas?
2) Se andar encurvado fosse consequência dos sofrimentos da última encarnação, por que o espírito do preto-velho ainda não teria alterado sua forma perispiritual?
Na verdade, os espíritos conservam, sim, em sua forma perispiritual as impressões que tinham de seu físico quando encarnados. É possível, portanto, o espírito de uma pessoa amputada permanecer sem uma perna por muito tempo mesmo estando desencarnada. Contudo, ESPÍRITOS COM UM POUCO MAIS DE CONHECIMENTO ESPIRITUAL, como espera-se de um preto-velho, sabem que a forma perispiritual é perfeitamente moldável à vontade, dependendo do conhecimento e do grau de evolução e desprendimento material do espírito. Assim, conclui-se que, ou os pretos-velhos não são tão evoluídos assim e, por isso, não conseguem se desvencilhar das impressões causadas no seu Corpo Físico, ou então a forma como se apresentam é meramente ilustrativa, podendo, se quiserem, assumir outra forma qualquer. A lógica, evidentemente, prefere a segunda opção.
"- Puxa, mas Vovó Maria Conga, tão boazinha, não mentiria para mim! Ela me falou tanto do sofrimento que aturou resignadamente... " Mais uma vez, vamos refletir sobre divergências entre os seres escravizados e os pretos-velhos que tanto admiramos:
Imagine-se sendo arrancado de sua terra natal, de sua família, de sua casa. A seguir, é embarcado forçadamente em um porão de navio sem as mínimas condições de higiene, amontoado com outras criaturas em igual situação de desgraça. Sobrevivente à viagem, você chega a uma terra estranha, onde falam outra língua e onde quem dá as ordens é a chibata. Você é obrigado a trabalhar até os limites de suas forças. A alimentação é parca. Dorme poucas horas por dia em um local imundo, amontoado aos demais. Se engravida, você se desespera, porque sabe que seu filho, se sobreviver, será arrancado de você para ser vendido a outros senhores. Você terá que se contentar em amamentar o filho da branca, nascido na mesma época do seu. Em alguns momentos terá que satisfazer aos anseios do senhor (seja você homem ou mulher). Trabalhará até morrer e não tem como esperar uma vida melhor.
Pronto! agora diga sinceramente o que vc sentiu ao ser arrancado da sua família por alguém que não conhece, ao receber as primeiras chibatadas, ao servir de pasto aos anseios do senhor, ao amamentar o filho daquela que lhe maltrata, etc, etc, etc. Queridos, lamento dizer, mas não existiu a figura do bom escravo, aquele que aturava com paciência e resignação os sofrimentos que lhe eram impostos. Simplesmente porque NINGUÉM faria isso! NINGUÉM suportaria sem tentar reagir, sem xingar os feitores, sem entrar em depressão (ainda que por algum tempo), sem perder a fé (ainda que por algum tempo), sem perder o amor próprio! Na verdade, os escravos se rebelavam sim, escapavam quando podiam, SE VINGAVAM quando podiam, e MATAVAM os senhores quando podiam. É consenso também entre os pesquisadores que a figura do escravo complacente às torturas, resignado, esperançoso de que a libertação caísse do céu, piedoso em relação aos seus senhores, etc, etc, etc, JAMAIS EXISTIU. É condição humana! É singular! É o lógico!
Outro ponto: NINGUÉM PASSA POR SITUAÇÕES QUE NÃO MEREÇA OU QUE NÃO TENHA QUE PASSAR, pois Deus é Justo e a Lei do Karma inflexível. Todos os espíritos que sofrem merecem, de alguma forma, passar por aquilo. No caso de um escravo, talvez tenha escravizado outras pessoas na encarnação anterior; talvez fosse espírito muito arrogante e orgulhoso. Enfim, ninguém tem qualquer sofrimento que não mereça. Donde se conclui que, se passaram por esta situação, então, pelo menos, a grande maioria dos escravos não era formada por espíritos exemplos de bondade e de evolução espiritual.
Ué, então o meu preto-velho não foi escravo? Amados, a escravidão foi um período negro pelo qual nossa Pátria passou. Período tormentuoso, mas do qual se pode tirar grandes lições. Podemos analisar a vida do escravo e aprender que os bens materiais não são importantes, pois podem nos ser subtraídos a qualquer momento, como aconteceu com eles ao serem arrancados de sua terra natal. Podemos aprender que a esperança e a fé são imprescindíveis em qualquer situação, pois não há mal que sempre dure, como não durou a escravidão. Podemos aprender que títulos de nobreza pouco valem, pois também podem ser retirados, como aconteceu com reis e rainhas negros que se tornaram escravos. Podemos aprender que a humildade é fundamental para quem deseja o progresso espiritual. Enfim, podemos abstrair valorosas lições que nos fazem refletir e melhorar. Nossos amigos espirituais que se apresentam como pretos-velhos sabem disso. E percebem que para melhor nos ensinarem o que é humildade, ou o valor da fé, ou a importância da resignação e da esperança, nada melhor e mais providencial que assumir uma forma perispiritual que evoque tais valores em nossa lembrança.
Assim, seguindo os conselhos do próprio Kardec, quando dizia que questionássemos e analisássemos as mensagens, podemos dizer:
Baseados na análise da expectativa média de vida do escravo, na análise da forma perispiritual encurvada, na análise do karma dos escravos e no aspecto psicológico e moral dos mesmos, podemos dizer que aquele que baixa alquebrado, aparentando a fragilidade da idade, fala baixo e pita pacientemente seu cachimbo, é muitíssimo provável que jamais tenha sido escravo no Brasil colonial, mas que tenha encontrado naquela forma por ele adotada, a melhor maneira de nos instruir na fé, na humildade e na correção de nossas imperfeições. Há dúvidas? Pergunte diretamente a ele. Mas pergunte somente se quiser escutar a verdade, pois se ele perceber que você não está pronto, ele manterá a mesma história, pois seu objetivo não é derrubar a sua fé, mas fazer com que você saiba utilizá-la em benefício da própria evolução. Tenha também o cuidado de conversar com pretos velhos incorporados em médiuns experientes e não orgulhosos, pois há muitos médiuns que, tomados pela vaidade, deixam-se levar pelo ANIMISMO e interferem nas mensagens, pois, inconscientemente, num involuntário desejo de massagem do ego, gostariam que os outros soubessem "como o seu preto-velho foi sofredor", e aumentam sobremaneira os sofrimentos contidos nos "contos" e "causos" proferidos pelo espírito. O preto-velho, coitado, pacientemente espera. Aguarda o dia em que a análise racional guiará o trabalho mediúnico. Adorei as Almas!
Amplexos,
Tata Luis